24 de febrero de 2010

Música Independente – A nova era dos festivais via Lei Rouanet

Com o surgimento das tecnologias digitais (softwares, mp3, 4 e 5; Youtube; Myspace, etc), que tornaram possível o barateamento da produção e divulgação da música e outros meios, uma nova realidade começou a ser construída a partir de 2001. Novas bandas obtiveram visibilidade e, na esteira dessa democratização, grandes Festivais de Música Independente começaram a ser realizados de norte a sul do país. Essa ação da cultura alternativa, que teceu uma nova rede de produção e desenvolvimento cultural, acaba de ser contemplada com o patrocínio da Petrobrás de R$ 2.500.000, através da Lei Rouanet.

Fabrício Nobre, presidente da Abrafin – Associação Brasileira de Festivais Independentes, criada em dezembro de 2005 com o apoio do Sebrae (GO) e do Ministério do Trabalho através do SENAES (Secretaria Nacional da Economia Solidária), explica como se deu o processo: “Conseguimos esse patrocínio via edital público, num concurso público entre todos os tipos de festivais de música independente no país. O MinC, IMS e Petrobras reconheceram os festivais independentes de música como fato transformador do cenário da música brasileira, um verdadeiro espaço para nossos artistas e para tradições às vezes esquecidas pela música de mercado”.

Nobre acredita que essa conquista prova que o mercado alternativo movimenta a produção, tem público crescente, gera postos de trabalho, descentraliza a produção e realização e constrói um novo circuito, ou novo paradigma. “O patrocínio vai favorecer festivais como Abril Pro Rock (PE), Bananada (GO), Goiânia Noise Festival (GO), Do Sol (RN), Porão do Rock (DF), Demo Sul (PR), MADA (RN), Ruído (RJ), Eletronika (MG), Senhor Festival (DF), Calango (MT), Grito Rock (MT), BoomBahia (BA), Evidente (RJ), Jambolada (MG) e Varadouro (AC)”, explica Fabrício.

Esses Festivais são uma alternativa para romper com os vícios e manipulações da indústria fonográfica como o jabá, a trilha da novela e a MTV, como já se tentou no passado, mas nunca com tanto sucesso. Através deles grupos como Móveis Colonias de Acajú; Ecos Falsos; Macaco Bong; Violins; Cooper Cabras e tantos outros podem mostrar seus trabalhos e obter visibilidade nacional. Especialmente porque, existe também uma mídia alternativa mostrando esses pólos de cultura.

Eras de festivais

Ao recordar a história dos festivais no Brasil, é preciso dividí-la, pois sempre existiram os eventos comandados pelo mainstreain e os alternativos. Os festivais apoiados por gravadoras surgiram através da extinta TV Excelsior paulista - em 1965 - e prosseguiram com a produção da TV Record – de 1966 até 1968 - em seu período de grande audiência, quando apareceram artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Os Mutantes, por exemplo. Grandes festivais foram produzidos pela TV Rio – 1966 - e prosseguiram até sua extinção nos anos 80, com as suas transmissões geradas pela TV Globo – de 1966 até 1985. O Festival de Águas Claras - SP que foi realizado em 1975, 1981, 1984 e 1985 – foi considerado o Woodstock brasileiro e projetou artistas do porte de Raul Seixas; Amir Sater; Walter Franco; Jorge Mautner; Tutti Frutti, entre outros. Em 1980 a TV Cultura de São Paulo revelou o saudoso Itamar Assumpção; Arrigo Barnabé e as cantoras Suzana Salles e Tete Espindôla em seu Festival Universitário. Esses dois últimos (Águas Claras e da TV Cultura) tinham um cunho alternativo e de contra cultura.

Num país onde a cultura ainda não faz parte do desenho de políticas públicas em 42,1% dos municípios e apenas 4,2% dos municípios contam com secretarias exclusivas de cultura, o patrocínio deve impulsionar não apenas a música, mas outras manifestações culturais que acontecem durante os festivais. Fabrício é enfático ao afirmar que os festivais não são apenas festinhas de fim de semana. “Existe todo um cenário local e nacional em volta: música, desenhistas, videomakers, engenheiros de som, pintores, poetas e cartunistas”.

O presidente da Associação lembra que, no Goiânia Noise Festival - www.goianianoisefestival.com.br - fora toda a parte de música, que envolve bandas, diferentes selos, produtores e técnicos, existe um grande incentivo a outras manifestações artísticas. “Este ano, estamos trabalhando com o cartunista Galvão (vidabesta.com) e o nitrocorpz(.com), um grupo de designers que está fazendo o site e as peças gráficas. Vamos fazer uma mostra de designers e também vai ser produzida uma mostra de video independente, que é fruto da TRASH (Mostra Goiana de Vídeo Independente) que acontece anualmente. E ainda stands de camisetas de produção local e nacional, lojas de livros com escritores ligados à cena, fotógrafos e a produção de um documentário do Festival. São infinitas as possibilidades!”.

Mas, em termos de mudanças estruturais, como o patrocínio da Lei Rouanet altera os Festivais na questão de organização, logística, caches, divulgação, etc? De acordo com o presidente da Abrafin “os contemplados com certeza vão ter uma estrutura mais complexa e pagar melhor os envolvidos. Pela primeira vez vamos conseguir ajuda de custo para todas as bandas no Goiânia Noise, por exemplo. Além de melhores acomodações, melhor equipamento, talvez shows maiores, com preços mais justos, intercâmbio internacional, etc. É bem possível que outros festivais sejam criados na expectativa da realização com um suporte maior. Tenho certeza que essa ação piloto da Petrobrás vai gerar otimos frutos para todos, e tudo indica uma continuidade”.

Bem diferente do cenário inicial, quando os formadores deste circuito, antes de tudo realizadores, trabalhadores da cultura, se viravam como podiam, conta Fabrício, e diz mais: “Sempre trabalhamos duro com pouco. Mesmo os que trabalham com música erudita ou folclórica. Realizações de shows, produção de música, discos, conteúdo, tudo independente sem suporte institucional ou financeiro. Fazemos parte da verdadeira rede de cultura alternativa. Agora, com mais reconhecimento de mídia, dos governos e até de empresas privadas. As coisas têm melhorado. Está tudo em desenvolvimento, estamos chegando a um bom momento”.

Bom Momento

A Petrobras está investindo R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais) e a Cervejaria Sol mais 500 mil. Os governos estaduais também têm se interessado por ações do tipo. O público cresce a cada dia. Devagar, mas cresce. A Abrafin reúne desde festivais com mais 10 anos de realização a eventos iniciantes. Juntos, estes festivais reúnem cerca de 300 mil pessoas e movimentam uma quantia superior a 5 milhões de reais por ano, além de gerar pelo menos 5.000 empregos fixos e outros temporários, em 26 festivais, que devem chegar a 30 até o final do ano.

“A Abrafin está fazendo um estudo junto com a SENAES – MTE para levantar todos os números com exatidão e teremos isso até o final de 2008”, diz Fabrício Nobre. Preocupado com a perenidade e a consolidação dos Festivais de Música Independente como polos de geração de cultura alternativa, Fabrício se mostra bem focado para o futuro: “Temos que nos organizar associativamente para poder mostrar articulação e volume, temos trabalhadores como em qualquer outro tipo de indústria, só que ainda não poluímos. Proporcionamos conhecimento, diversão, aumento de autoestima para todos. Movimentamos muito dinheiro e temos pouco incentivo, tá na hora disso mudar. Vamos levantar números e nos mostrar para os governos, ministérios e etc. Mostrar que vale a pena o investimento em cultura alternativa, música independente. Que isso traz benefícios às cidades, as pessoas, ao país. Ficar chorando ou reclamando não é política da Abrafin, nossa politica é realização, produção, e mostrar o que somos capazes com um pouco mais de suporte”, conclui.



Fonte: Dum De Lucca - 100canais. Publicado no portal Cultura e Mercado

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